12 novembro 2008

Você acha que já viu tudo????

Depois de ser agredido, assaltante ingressa com queixa-crime contra a vítima do roubo

A Justiça de Minas Gerais rejeitou uma curiosa queixa-crime movida pelo assaltante contra a própria vítima da investida criminosa. São principais personagens do insólito processo penal o estudante Wanderson Rodrigues de Freitas, 22 de idade, e o comerciante Márcio Madureira Vieira, dono de uma padaria em Belo Horizonte. Também figura como querelado Leonardo di Sálvio Lima Rodrigues, mas deste, a exordial não descreve qualquer conduta delitiva.

Segundo os autos, "o querelante (Wanderson) ao cometer crime de roubo no interior da Padaria Passa Bem, debruçando-se sobre o caixa e aparentemente apontando uma arma de fogo para a gerente, teria tido a ação interrompida pela querelado (Márcio) que, percebendo tratar-se de um assalto, teria ido em socorro da funcionária do estabelecimento e, em conseqüência, travado um embate corporal com o querelante, vindo este a fraturar o nariz".

O relato é feito na sentença proferida pelo juiz Correa Camargo, da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte (MG) que rejeitou a queixa-crime. A peça inicial  detalha a lesão corporal.

O magistrado observa que "após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o presente caso o de maior aberração postulatória". O juiz também avalia que "a pretensão de querelante, criminoso confesso - conforme os  termos da própria inicial - apresenta-se como um indubitável deboche, constituindo-se em uma afronta ao Judiciário".

O julgado conclui que "a queixa-crime ofertada deve ser de pronto rejeitada uma vez não se vislumbrar qualquer fato criminoso praticado pelos querelados, tratando-se o caso de verdadeira excludente de ilicitude, mais precisamente de legitima defesa".

Conforme a petição inicial, o proprietário "se excedeu no direito de legítima defesa” ao desferir golpes que fraturaram o nariz do rapaz, logo após se deparar com ele na tentativa da fuga.

Ainda segundo a querela, o assaltante foi agredido por clientes da padaria. (Proc. nº 002408246471-0).

 

Contraponto

O repórter Alessandro Cristo, da revista Consultor Júrídico, conseguiu ouvir o advogado José Luiz Oliva Silveira Campos, que foi o subscritor da queixa-crime. Ele disse que irá apelar da sentença e tentará anular o processo criminal contra o estudante, sob o argumento de que "a confissão do crime foi obtida por meio de coação", já que Wanderson só teria assumido o ato depois da surra."Não estou defendendo vagabundo, mas apenas questionando o excesso na legítima defesa”, afirma Oliva.

O advogado também explica que o objeto apontado pelo assaltante foi um pedaço de madeira e que nada justifica a “prática da justiça com as próprias mãos” pelo proprietário do local, com base no artigo 129 do Código Penal.

Ele diz que um dos laudos médicos mostrou que o rapaz precisará de uma cirurgia plástica.

Segundo o advogado, o estudante era cliente assíduo da padaria, morador do bairro na casa dos pais e foi filmado pelas câmeras de segurança. “Todo mundo sabia quem ele era e onde morava. Deveriam deixá-lo ir e esperar pela ação da polícia”, diz.

 

ÍNTEGRA DA DECISÃO:

Juízo: 2ª Vara Criminal

Feito nº: 0024 08 246471-0

Natureza: Lesões Corporais

Querelante: Wanderson Rodrigues de Freitas

Querelados: Márcio Madureira Vieira e Leonardo di Saivio Lima Rodrigues

Vistos etc.

 

 

Versam os presentes autos sobre queixa-crime, proposta em face dos querelados em epígrafe.

 

Narra a inicial que o querelante, ao cometer crime de roubo no interior da Padaria Passa Bem, debruçando-se sobre o caixa e aparentemente apontando uma arma de fogo para a gerente, teria tido a ação interrompida pela querelado Márcio Madureira Vieira que, percebendo tratar-se de um assalto, teria ido em socorro da funcionária do estabelecimento e, em conseqüência, travado um embate corporal com o querelante, vindo este a fraturar o nariz.

 

Absurdamente, alegando o assaltante ser vítima do crime tipificado no art. 129, do Código Penal, porque a ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos, ajuizou ele a presente ação penal, juntando aos autos a documentação de ff. 06-22.

 

Relatados, decido.

 

A queixa-crime ofertada deve ser de pronto rejeitada uma vez não se vislumbrar qualquer fato criminoso praticado pelos querelados, tratando-se o caso de verdadeira excludente de ilicitude, mais precisamente de legitima defesa.

 

Certo é que da documentação juntada não se percebe qualquer excesso por parte do comerciante Márcio Madureira Vieira, que teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por desdobramento, seu próprio patrimônio.

 

Em segundo momento, a exordial não descreve qualquer conduta delitiva imputada a Leonardo di Sálvio Lima Rodrigues, segundo querelado.

 

Destaca-se ainda que nem o exame de corpo de delito juntado à f. 30, ou qualquer outro documento colacionado pelo querelante, esclareceu o grau da lesão sofrida e, em assim sendo, poderia eventual delito, em tese, ser da competência do Juizado Especial Criminal e, assim excluída a apreciação do fato pela Justiça Comum.

 

Registre-se ainda que em caso de instauração de ação penal, esta seria pública e não privada.

 

Por fim, observo que após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o presente caso o de maior aberração postulatória. A pretensão de querelante, criminoso confesso nos termos da própria inicial, apresenta-se como um indubitável deboche, constituindo-se em uma afronta ao Judiciário.

 

Assim pelos fundamentos apresentados, REJEITO A QUEIXA-CRIME, a teor dos artigos 41 e 43, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.

 

Custas pelo querelante. Com o trânsito em julgado da presente decisão, dê-se baixa na distribuição, arquivando-se após conforme de estilo.

 

Correa Camargo, juiz da 2ª Vara Criminal

1 Comments:

At 13 novembro, 2008 09:52, Anonymous Anônimo said...

Caramba! Então agora eu tenho que receber o meliante com tapete vermelho???

Eita paisinho porcaria!

 

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