O que faz alguém achar que pode  comprar armas de fogo, entrar na casa de uma família, fazer reféns, assustar e  desalojar vizinhos, ocupar a polícia por mais de 100 horas e atirar em duas  pessoas inocentes? O rapaz deu a resposta: “ela não quis falar comigo”. A  garota disse não, não quero mais falar com você. E o garoto,  dizendo que ama, não aceitou um não. Seu desejo era mais  importante.
Não quero ser mais um desses psicólogos de araque que  infestam os programas vespertinos de televisão, que explicam tudo de maneira  muito simplista e falam descontextualizadamente sobre a vida dos outros sem  serem chamados. Mas ontem, enquanto não conseguia dormir  pensando nesse absurdo todo, pensei que o não da menina Eloá foi o único.  Faltaram muitos outros não’s nessa história toda. 
 
Faltou um pai e uma mãe dizerem  que a filha de 12 anos NÃO podia namorar um rapaz de 19. Faltou uma outra mãe dizer que NÃO iria sucumbir ao medo e ir lá  tirar o filho do tal apartamento a puxões de orelha. Faltou  outros pais dizerem que NÃO iriam atender ao pedido de um policial maluco  de deixar a filha voltar para o cativeiro de onde, com sorte, já tinha escapado  com vida. Faltou a polícia dizer NÃO ao próprio  planejamento errôneo de mandar a garota de volta pra lá. Faltou o governo dizer NÃO ao sensacionalismo da imprensa em torno  do caso, que permitiu que o tal seqüestrador conversasse e chorasse  compulsivamente em todos os programas de TV que o procuraram. 
 
Simples assim. N Ã  O. Pelo jeito, a única que disse não nessa  história foi punida com uma bala na cabeça. 
 
O mundo está carente de  não’s. Vejo que cada vez mais os pais e professores  morrem de medo de dizer não às crianças. Mulheres ainda têm medo de dizer  não aos maridos ( e alguns maridos, temem dizer não às esposas ).  Pessoas têm medo de dizer não aos amigos. Noras que não conseguem dizer  não às sogras, chefes que não dizem não aos subordinados, gente  que não consegue dizer não aos próprios desejos. E assim são criados  alguns monstros. 
 
Talvez alguns não cheguem a  seqüestrar pessoas. Mas têm pequenos surtos quando escutam um não, seja  do guarda de trânsito, do chefe, do professor, da namorada, do gerente do banco.  Essas pessoas acabam crendo que abusar é normal. E é legal. Os pais dizem, “não  posso traumatizar meu filho”. E não é raro eu ver alguns tomando tapas de bebês  com 1 ou 2 anos. Outros gastam o que não têm em brinquedos todos os dias e  festas de aniversário faraônicas para suas crias. Sem falar nos adolescentes.  
  
 Hoje em dia, é difícil ouvir alguém  dizer não, você não pode bater no seu amiguinho.
Não,  você não vai assistir a uma novela feita para adultos.
Não,  você não vai fumar maconha enquanto for contra a lei.
Não,  você não vai passar a madrugada na rua.
Não, você não  vai dirigir sem carteira de habilitação.
Não, você não vai  beber uma cervejinha enquanto não fizer 18 anos.
Não, essas  pessoas não são companhias pra você.
Não, hoje você não  vai ganhar brinquedo ou comer salgadinho e chocolate.
Não, aqui  não é lugar para você ficar.
Não, você não vai faltar  na escola sem estar doente.
Não, essa conversa não é pra você  se meter.
Não, com isto você não vai brincar.
Não,  hoje você está de castigo e não vai brincar no parque. 
 
Crianças e adolescentes que  crescem sem ouvir bons, justos e firmes NÃOS crescem sem saber que o  mundo não é só deles. E aí, no primeiro não que a vida dá ( e a  vida dá muitos ) surtam. Usam drogas. Compram armas. Transam sem camisinha.  Desrespeitam os pais. Batem em professores. Furam o pneu do carro do chefe.  Chutam mendigos e prostitutas na rua. E daí por diante. 
 
Não estou defendendo a volta da  educação rígida e sem diálogo, pelo contrário. Acredito piamente que crianças e  adolescentes tratados com um amor real, sem culpa, tranqüilo e livre, conseguem  perfeitamente entender uma sanção do pai ou da mãe, um tapa, um castigo, um  não. Intuem que o amor dos adultos pelas crianças não é só prazer - é  também responsabilidade. E quem ouve uns não’s de vez em quando  também aprende a dizê-los quando é preciso. 
 
Acaba aprendendo que é importante  dizer não a algumas pessoas que tentam abusar de nós de diversas  maneiras, com respeito e firmeza, mesmo que sejam pessoas que nos amem. O não  protege, ensina e prepara. Por mais que seja difícil, eu tento dizer não  aos seres humanos que cruzam o meu caminho quando acredito que é hora - e  tento respeitar também os não’s que recebo. Nem sempre consigo, mas  tento. Acredito que é aí que está a verdadeira prova de amor. 
 
E é também aí que está a solução  para a violência cada vez mais desmedida e absurda dos nossos dias.
 
2 Comments:
O pior é que tem uma geração que está entre os 30 e os 50, fruto das primeiras experiências da "revolução da educação", que não aprendeu a ouvir "NÃO", não aprendeu a respeitar, a se comprometer, não tem responsabilidade. A sensação que fica é a de que a Lei de Gérson as impregnou de tal forma, que passam por cima de coisas sagradas, como amor, amizade, solidariedade, respeito, honestidade, ética, se isso lhes trouxer alguma vantagem. Como esperar que esse tipo de gente se dê conta de que é preciso dizer NÃO, ao educar seus filhos?
Que pena, a humanidade vai de mal a pior...
Gostei muito do texto. Sem dúvida ouvir 'não' faz parte do crescimento e amadurecimento de todas as pessoas. Sabe aquela historia de que "o que é proibido é mais gostoso"...ou aquela que diz que "se proibir o filho vai fazer escondido"...eu acho tudo isso ridículo. Quer dizer então que os pais não têm autoridade nenhuma sobre os filhos! Eu acho que muitas coisas os pais tem que proibir mesmo, só porque o filho vai fazer escondido significa que os pais não podem dar nenhuma ordem aos filhos? Não temos que ficar com medo dos filhos fazerem as coisas escondido...temos que proibir para que desde cedo eles aprendam o que é aceitável e o que não é. Os pais não são reféns dos filhos.
Beijão!
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